Ah, que saudade eu sinto de não viver dividida.
Olha, ninguém me contou que nascer como mãe daria mais trabalho do que parir outro ser.
Não me disseram que as estrias abertas, a barriga cortada ou o períneo lacerado eram apenas o prelúdio.
O que rasga mesmo é a gente, de dentro para fora. E não tem laser, nem sutura, que ajude a juntar o que rachou. O que une é outra coisa, e demora um outro tempo.
Quanto? Não sei.
Enquanto isso, vivo na pele - nas vísceras, na mente e no coração - esse puxa-empurra que não me larga, nem com reza forte.
Então, metade de mim quer isso, enquanto a outra metade quer aquilo. Uma quer estar e a outra quer sair. Desde que a mãe nasceu em mim, tem sido assim.
Eu quero que o tempo passe e quero que ele pare. Quero ficar para sempre aqui, no ninho com meu bebê, e quero fugir, para um lugar onde ninguém me ache.
Eu quero ser toda mãe. Sem nome, só colo e cuidado. MÃE. E quero ser outras, tantas outras, que nem caberiam no meu nome. O meu nome. Aquele que escolhi pra mim.
Eu quero morar no amor e quero que ele faça morada em mim. Quero sufocar de tanto amor. Eu quero sentir mais do que amor, deixar nascer aquilo que nem combina com amor. Quero abrir as janelas e respirar.
Eu quero namorar e me sentir mulher de novo. Quero me doar para outra pessoa, que não o bebê. E eu quero dormir. Quero me entregar ao sono. Me fechar, quietinha em mim, para descansar de sentir.
Quero ter minha cama de volta e quero o bebê pertinho a noite inteira. Quero que ele cresça e que ele caiba no meu colo para sempre. Quero sair sozinha e não quero ficar sem ele. Quero mergulhar e quero só molhar o pé na beira. Quero que ele retorne para meu útero e quero meu corpo de volta.
Mas hoje, o que estou querendo mesmo, é um tempo para habitar apenas um querer. Um tempinho, assim, tipo pausa para o café, coisa pequena, só para respirar tranquila e inteira. Por que cansa. Cansa estar sempre dividida.
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Esse texto foi escrito pela Camila Ramos, autora do livro "Desmanual Materno". Clique aqui para comprar.
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